CURCUMINA E SILIMARINA, COMO PODEM REDUZIR OS EFEITOS NEGATIVOS DAS MICOTOXINAS?

Diversos estudos demonstram as propriedades antioxidantes e hepatoprotetoras destes extratos naturais na nutrição animal.

As micotoxinas são um dos principais contaminantes das rações em todo o mundo. A exposição às micotoxinas pode provocar efeitos graves na produção animal, alterando a função e a integridade intestinal, e causando danos hepáticos e efeitos imunológicos deletérios. Esses efeitos estão associados à diminuição dos parâmetros produtivos (da Silva et al., 2016; Pauletto et al., 2020). Como a erradicação completa das micotoxinas é impossível, são necessárias estratégias para mitigar seus efeitos negativos (Xu et al., 2022). 

Os extratos naturais de plantas ganharam interesse para combater os efeitos adversos das micotoxinas devido as várias propriedades benéficas à saúde de seus compostos ativos. 

Uso de curcumina para reduzir o estresse oxidativo

A curcumina é um composto fenólico natural extraído principalmente da cúrcuma (Curcuma longa) que se destaca por oferecer uma gama ampla de benefícios à saúde animal (Pauletto et al., 2020; Pan et al., 2022): atividade antioxidante, hepatoprotetora, anti- inflamatória, antimicrobiana, antiviral e antifúngica, além de fortalecer a função intestinal e promover o desempenho zootécnico. 

Numerosos estudos têm demonstrado o potencial da curcumina para melhorar o estado de saúde dos animais. De fato, é bem conhecido que os grupos fenólicos contidos na curcumina têm um papel essencial na redução do estresse oxidativo, já que estes grupos podem eliminar altos níveis de radicais livres (incluindo íon superóxido, radicais hidroxila e óxidos nítricos) observados no desequilíbrio redox a nível celular. 

Foi demonstrado que a suplementação dietética com curcumina aumenta a expressão do fator de transcrição Nrf2 e a atividade de enzimas endógenas antioxidantes, como a glutationa (GSH), a catalase (CAT) e o superóxido dismutase (SOD), enquanto inibe as enzimas oxidativas (Hafez et al., 2022). Assim, a curcumina pode melhorar a capacidade antioxidante mitocondrial aumentando o potencial de membrana e reduzindo a disfunção mitocondrial e a apoptose das células hepáticas, aliviando o dano hepático (Pan et al. 2022). 

Função hepática reforçada com curcumina

Ademais, a curcumina suporta a função hepática, mediante a restauração dos níveis enzimáticos da aspartato transaminase (AST) e alanina transferase (ALT). Em particular, nos casos de aflatoxicose, Muhammad et al. (2018) descobriram que a suplementação de curcumina inibe a bioativação de AFB1 no fígado, alterando a atividade das enzimas CYP. Portanto, tem sido demosntrado que a curcumina mitiga os danos hepáticos induzidos pelas micotoxinas. 

Agente imunomodulador e promotor da integridade intestinal

Da mesma forma, tem aumentado o interesse pela curcumina como um agente imunomodulador, considerando que o intestino é o maior e o mais complexo órgão do sistema imunológico. Especificamente, a curcumina é um composto natural que interage com diferentes moléculas de sinalização e transcrição do sistema imunológico, como proteínas quinases ativadas por mitógenos (MAPKs), o fator nuclear ᴋB (NF-ᴋB) e as quinases Janus e proteínas STAT (JAK/STAT) e diminui as citocinas pró-inflamatórias (IL-1, IL-6, IL-8, TNF-α, IFN-γ), entre outros mediadores pró-inflamatórios como a óxido nítrico sintase induzível (iNOS) e a ciclooxigenase-2 (COX2) (Kahkhaie et al., 2019). Além disso, demonstrou-se que a curcumina promove a integridade intestinal aumentando a expressão das junções estreitas e a altura das vilosidades que, juntamente com a modulação da população microbiana, melhora as funções de barreira, bem como a digestibilidade dos nutrientes. Assim, a curcumina é um composto natural que promove a saúde intestinal e o desempenho produtivo dos animais. 

Efeitos da curcumina em animais desafiados por micotoxinas

Essas propriedades potenciais são promissoras em cenários desafiadores com micotoxinas. Assim, a Tabela 1 resume diferentes estudos em que a eficácia da curcumina frente às micotoxinas foi avaliada, observando uma potente atividade antioxidante acompanhada de um efeito hepatoprotetor e de melhoria da saúde intestinal. 

Tabela 1. Efeitos da curcumina em cenários desafiadores com micotoxinas.

Curcumina, dose Micotoxinas, dose Espécies Efeitos da Curcumina Referência
0,4 g/kg AFB1, 0,02 mg/kg Frangos de corte Soro e rim: restaura a atividade de SOD, CAT, GSH-Px Damiano et al. (2022)
0,4 g/kg OTA, 2 mg/kg Patos Parâmetros produtivos: restaura PV, LM, CM e peso do fígado Plasma: restaura os níveis de SOD e MDA Jejuno: restaura os níveis de GSH-Px, IL-1β, TNF-α e melhora os níveis de SOD afetados pela OTA Aumenta a altura das vilosidades e restaura a atividade da Caspase-3 Ruan et al. (2019)
7,4 y 740 g/L ZEN, 4,78, 9,5, 19,1 g/L Em vitro - células de porco Restaura os níveis de ROS e a expressão de SOD1, CAT, GPx1 reduzida por ZEA Qin et al. (2015)
0,45 g/kg AFB1, 5 mg/kg Frangos de corte Parâmetros produtivos: restaura PV e peso do fígado Soro: restaura ALT, ASP, ALP, GGT, SOD, atividade MDA Fígado: inibe as enzimas mediadoras do CYP da bioativação de AFB1, aumenta a expressão de Nrf2 e melhora a atividade de GST Muhammad et al. (2018)
5 mg/kg AFB1, 0,2 mg/kg Tilápia do Nilo Parâmetros produtivos: restaura LM e capacidade de sobrevivência Plasma: restaura SOD, IL-1β, TGF-β e CYP1A Mahfouz et al. (2015)
0,4 g/kg OTA, 2 mg/kg Patos Soro: restaura a atividade ALT aumentada por OTA e restaura o metabolismo lipídico Fígado: restaura a atividade SOD e CAT, níveis de MDA. Melhora a expressão de FAS, PPARG e SREBP-1c Ceco: restaura a microbiota modulada pela OTA Zhai et al. (2020)

AFB1: aflatoxina B1; OTA: ocratoxina A; ZEA: zearalenona; PV: peso vivo; GM: ganho de peso médio; CM: consumo médio de ração; ROS: radicais livres; SOD: superóxido dismutase; CAT: catalase; GPx: glutationa peroxidase; MDA: malondialdeído; ALT: alanina transaminase; AST: aspartato transaminase; ALP: fosfatase alcalina; GGT: gama-glutamil transferase; GST: glutationa S-transferase; TGF-β: fator transformador de crescimento beta; IL-1β: interleucina 1β; TNF-α: fator de necrose tumoral; CYP: citocromo; Nrf2: fator nuclear eritróide 2; FAS: ácido graxo síntase; PPARG: receptor gama ativado por proliferador peroxissômico; SREBP-1c: proteína de ligação do elemento regulador de esterol. 

Proteção do fígado com extrato natural de silimarina

A silimarina é um flavonoide complexo contido no extrato do cardo mariano (Silybum marianum): contém uma mistura de flavonolignanos e flavonóides que se caracterizam por apresentar inúmeras propriedades benéficas para a saúde: atividade antioxidante, hepatoprotetora, imunoestimulante e promotora da função de barreira a nível intestinal. Durante anos, a silimarina tem sido considerada um composto natural promissor para proteger o fígado de diferentes substâncias tóxicas e combater o consequente dano hepático (Wadhwa et al., 2022). 

Observa-se que a suplementação dietética com silimarina restabelece os níveis de enzimas funcionais a nível hepático, como γ-glutamil transferase (GGT), aspartato transaminase (AST), alanina transaminase (ALT) e fosfatase alcalina (ALP). Além disso, a silimarina modula a expressão de caspases, glicoproteínas transmembranas (n-caderina) e quimiocinas, entre outras proteínas, responsáveis ​​pela viabilidade celular e integridade tecidual, bem como pela resposta imunitária local. Tal e como tem sido descrito no caso da curcumina, o uso de um agente natural como a silimarina também interage com diferentes moléculas de sinalização e transcrição do sistema imunológico como as quinases (incluindo a p38 MAPK) e os fatores NF-ᴋB e STATS que reduzem os níveis de citocinas pró-inflamatórias (como IL-1β, IL-2, IL-10, TNF-α, IFN-γ, TGF-β) e promovem o efeito anti-inflamatório do extrato natural (Agarwal et al., 2006). 

Por outro lado, é importante destacar que esta função hepatoprotetora é apoiada pela regulação do metabolismo lipídico, reduzindo os níveis de triglicerídeos e colesterol, e pelo equilíbrio redox entre a atividade de enzimas endógenas antioxidantes e os radicais livres. Também, o uso de silimarina reduz as lesões hepáticas a níveis microscópico e macroscópico. 

Melhora da absorção de nutrientes

Em relação à barreira intestinal, a suplementação com silimarina aumenta a superfície de absorção e modula a microbiota intestinal que, por sua vez, resulta em melhora da digestibilidade, crescimento e qualidade do produto (carne e ovos), melhorando seu perfil lipídico, entre outros parâmetros. 

A Tabela 2 mostra diferentes estudos em que foi avaliada a eficácia da silimarina na nutrição animal sob desafio com micotoxinas, destacando seus efeitos benéficos a nível hepático. 

Tabela 2. Efeitos da silimarina em cenários desafiadores com micotoxinas.

Silimarina, dose Micotoxinas, dose Espécies Efeitos da Silimarina Referência
0.1 g/kg AFB1, 5µg FB1, 0.02 mg/kg Frangos de corte Parâmetros produtivos: restaura LM, TC Soro: restaura os níveis de ALT, AST e globulinas Jejuno: aumenta a altura das vilosidades e a profundidade das criptas Qualidade da carcaça: restaura os níveis de ROS e GST, aumenta os níveis de PUFA, pH e reduz os valores de L* Armanini et al. (2021)
0,6 g/kg AFB1, 0.8 mg/kg Frangos de corte Parâmetros produtivos: recupera o desempenho Tedesco et al. (2004)
1-2 g/kg AF, 2.2 mg/kg Codorna japonesa Parâmetros produtivos: restaura GM, IC Soro: restaura a atividade de ALT, AST, ALP, reduz triglicerídeos e glicose Khaleghipour et al. (2019)
6 g/kg OTA, 3 mg/kg Frangos de corte Rim e fígado: restaura a atividade de AST, ALT e reduz lesões macroscópicas e microscópicas Stoev et al. (2021)
5 g/kg DON, 4.9 mg/kg ZEN, 0.66 mg/kg Patos Fígado: reduz os níveis de MDA e ROS e diminui a citotoxicidade Egresi et al. (2020)
0.6 mg/kg-BW AFB1, 1 mg/kg-BW Calve Parámetros productivos: restaura GM, CM Sange: restaura níveis de AST, ALP Nasser et al. (2016)

PV: peso vivo; GM: ganho médio de peso; CM: consumo médio de ração; TC: taxa de conversão; ROS: radicais livres; MDA: malondialdeído; ALT: alanina transaminase; AST: aspartato transaminase; ALP: fosfatase alcalina; GST: glutationa S-transferase; AGPI: ácidos graxos poliinsaturados. 

Combinação natural para atenuar os efeitos das micotoxinas na produção animal

Como conclusão, o uso de curcumina e silimarina demonstra sua capacidade de reduzir a toxicidade de micotoxinas na nutrição animal. Sua combinação é uma estratégia interessante para combater sinergicamente os efeitos imunotóxicos e hepatotóxicos das micotoxinas e promover a saúde e a produtividade animal. 

Na produção animal, o uso de produtos à base de extratos de curcumina e silimarina pode estimular a barreira intestinal e a função digestiva, melhorar a resposta imune, aumentar a capacidade de desintoxicação das células hepáticas, melhorar a taxa de crescimento e, consequentemente, melhorar a qualidade da carne e do ovo.